segunda-feira, 9 de maio de 2016

O corpo: eis minha questão

Parodiando Santo Agostinho* perguntaríamos:
Quem sou? – És um corpo, seja isso o que for.

Questionar esse enigma chamado corpo é se dar conta de uma experiência radical. Assim como a filósofa brasileira Marilena Chaui, entende a reflexão filosófica como o movimento de volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer-se a si mesmo, todo sujeito que pensa um corpo, também o é. O corpo é onde ser e ter são insolúveis. Insolúvel em ordem primeira do que não se disjunta, pois que é preciso se ter corpo para sê-lo e é impossível se ser corpo sem tê-lo. Insolúvel, por outro lado, porque corpo parece querela sem solução. São corpos pensantes esses que se propõem a pensar os próprios corpos. Há uma unidade intransponível entre o pensamento e o corpo - que é quem pensa e sobre quem se pensa. O corpo que temos é o que somos e dele emerge o pensamento sobre ele mesmo. Nesse sentido, radicalizar as reflexões sobre o corpo é nos fazer lembrar que é também um corpo, esse que o pensa.

O legado filosófico nos promete assim a indissociação entre corpo e sujeito e diante disso, inquietam-me nossas relações com as coisas do mundo, no entendimento mais ampliado dessas coisas, enquanto aquilo que não somos nós, que não é corpo, mas com as quais nos movemos, nos misturamos, nos envolvemos de maneira efetivamente complexa. Somos seres moventes, em movimento e implicados em um mundo de movimentações. Tudo está em fluxo. Em verdade, é melhor levantarmos uma imagem mais totalizadora, pois, não é possível pensar em um ser fora do mundo, de tal sorte, somos apenas mais uma parte do mundo - aqui entendido como um todo - e temos no corpo nossa representação nesse sistema totalizante. Somos corpo do mundo, pois a ele pertencemos. E somos corpo no mundo, pois nele agimos. E de que forma os movimentos do mundo se enredam aos nossos movimentos no mundo?

O corpo contemporâneo, movendo-se diante da compressão espaço-temporal das tecnologias digitais: Eis minha inquietação!

*Hannah Arendt (2001) ao citar Agostinho como o primeiro a levantar a questão antropológica na filosofia, mostrar que ele estabeleceu uma diferença entre as perguntas “Quem sou?” e “O que sou?”, a primeira dirigir-se-ia ao homem e a segunda a Deus. Como afirma a autora: Em resumo, a resposta à pergunta “Quem sou?” é simplesmente:”És um homem – seja isso o que for” e a resposta à pergunta “O que sou?” só pode ser dada por Deus que fez o homem. (p.19)


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